quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Problemas com números em Números (ii)

(Se desejar, leia a parte um)

A questão do número dos Levitas

Em Nm 3:39 lemos: “Todos os que foram contados dos levitas … todo o homem de um mês para cima, foram vinte e dois mil”. Há um pouco de dificuldade para entender este número, pois ele não concorda com os números das famílias dos Levitas dados nos vs. 22, 28 e 34 do mesmo capítulo. Se a família de Gérson teve sete mil e quinhentos contados, a família de Coate oito mil e seiscentos, e a de Merari seis mil e duzentos, o total deveria ser vinte dois mil e trezentos, e não vinte e dois mil. Por que a diferença?

Alguns sugerem que o valor de vinte e dois mil foi arredondado — mas o contexto não confirma isso. O v. 46 claramente afirma que o número dos primogênitos em Israel (que foi vinte e dois mil e duzentos e setenta e três) superou o número dos levitas em duzentos e setenta e três — essa diferença detalhada (duzentos e setenta e três) deixa claro que a contagem de vinte e dois mil é exata, e não arredondada.

Outros sugerem que houve um erro dos escribas que copiavam as Escrituras, e que o valor original dos Coatitas era realmente oito mil e trezentos, pois seria fácil confundir “três” com “seis” no Hebraico (veja ilustrações no final deste artigo). Mas é difícil imaginar que, com o zelo e cuidado que tinham ao copiar as Escrituras, os judeus teriam deixado de perceber uma contradição entre duas contagens na mesma páginas das Escrituras.

Prefiro a sugestão dada pelos antigos Rabinos, mencionada por Gill. No tratado Bekoroth  do Talmude (“Primogênitos” — Para ler esta citação online, procure “Bechoroth 5a” neste link), lemos de um general romano perguntando ao Rabino Johanan ben Zakai (30-90 a.D.): “No relato detalhado da numeração dos Levitas, encontramos que o total é vinte e dois mil e trezentos, mas na soma total só encontramos vinte e dois mil. Onde estão os trezentos?” A resposta do Rabino foi: “Os trezentos eram primogênitos, e um primogênito não pode redimir outro primogênito”. Uma sugestão simples, lógica e provável. A soma de todos os Levitas de um mês para cima foi feita para redimir os primogênitos das demais tribos de Israel. Todos estes Levitas somaram vinte e dois mil e trezentos, mas trezentos deles seriam, eles próprios, primogênitos, e “um primogênito não pode redimir outro primogênito”; portanto eles não são considerados na contagem total apresentada no v. 39.

É fácil verificar se esta sugestão faz sentido verificando se a proporção de primogênitos na tribo de Levi (trezentos) corresponde à proporção de primogênitos nas demais tribos de Israel. Ora, se havia vinte e dois mil e trezentos Levitas homens de um mês para cima, e trezentos destes eram primogênitos, então havia um primogênito para cada setenta e quatro homens, aproximadamente; e se havia vinte e dois mil e duzentos e setenta e três primogênitos nas demais tribos de Israel, aplicando a mesma relação (1/74) descobriremos que haveria quase um milhão e seiscentos e cinquenta mil homens (22.273 * 74 = 1.648.202) de um mês para cima nas demais tribos de Israel. Esse número faz sentido, pois lemos que havia seiscentos e um mil, quinhentos e cinquenta homens de vinte anos para cima em Israel. Estes números são, obviamente, apenas estimativas.

Resta um detalhe: se alguém acha que uma proporção de 1/74 é muito elevada para este contexto, devemos lembrar que a finalidade deste censo foi o resgate dos primogênitos, e é bem possível que foram contados apenas os primogênitos que nasceram após o Êxodo (pois os demais já haviam sido resgatados na primeira Páscoa). Contando todos os primogênitos em Israel, incluindo adultos, a proporção seria bem menor.
"Três" em Hebraico
"Seis" em Hebraico


© W. J. Watterson

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O poema da aliança Davídica

”Querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade do Seu conselho aos herdeiros da promessa, Se interpôs com juramento” (Hb 6:17).

Em cinco ocasiões na história da humanidade, Deus “Se interpôs com juramento”, firmando uma aliança com os homens: com Noé (Gn 9), com Abraão (Gn 15, etc.), com Moisés (Êx 19, etc.), com Davi (II Sm 23, etc.), e a nova aliança feita por intermédio de Cristo (Jr 31, etc.).

Na aliança feita com Davi, em que promete um Príncipe para reinar em justiça, Deus inspirou Davi para escrever um poema apresentando a aliança. Abaixo, procuro demonstrar como deve ter sido a divisão em versos e estrofes do poema encontrado em II Samuel cap. 23.

1ª estrofe: o escritor do poema

Diz Davi, filho de Jessé,
    E diz o homem que foi levantado em altura,
O ungido do Deus de Jacó,
    E o suave em salmos de Israel.

2ª estrofe: o verdadeiro Autor do poema

O Espírito do Senhor falou por mim,
    E a Sua palavra está na minha boca.
Disse o Deus de Israel,
    A Rocha de Israel a mim me falou:

3ª estrofe: o Justo Rei

Haverá um justo que domine sobre os homens,
Que domine no temor de Deus.

4ª estrofe: o brilho do Seu reino

E será como a luz da manhã,
    Quando sai o Sol,
Da manhã sem nuvens,
    Quando pelo seu resplendor e pela chuva a erva brota da terra.

5ª estrofe: a certeza desta aliança

Ainda que a minha casa não seja tal para com Deus,
    Contudo estabeleceu comigo uma aliança eterna,
        Que em tudo será bem ordenada e guardada,
    Pois toda a minha salvação e todo o meu prazer está nEle,
Apesar de que ainda não o faz brotar.

6ª estrofe: o destino dos inimigos do Rei

Porém os filhos de Belial todos serão como os espinhos que se lançam fora,
    Porque não podem ser tocados com a mão.
    Mas qualquer que os tocar se armará de ferro e da haste de uma lança;
E a fogo serão totalmente queimados no mesmo lugar.”

Algumas explicações

Repare que as primeiro quatro estrofes são compostas de afirmações paralelas, em que cada verso é seguido por outro que expande a ideia apresentada no primeiro. É possível considerar cada um desses pares como um verso (assim as estrofes 1, 2 e 4 teriam apenas dois versos, e a estrofe 3 apenas um verso).

As últimas duas estrofes do poema estão na forma de quiasma. Na quinta estrofe, o primeiro e o último verso repetem a idéia de “ainda”, o segundo e o quarto verso falam do relacionamento entre Deus e Davi (Deus deu a Davi uma aliança eterna; Davi coloca em Deus toda a sua confiança e alegria), e o centro do quiasma é afirmação preciosa de que a aliança será ordenada e guardada. Na sexta estrofe, o primeiro e o último verso falam do destino dos filhos de Belial, enquanto que o segundo e o terceiro versos falam de tocar nestes filhos de Belial.

Graças sejam dadas a Deus pela promessa de que “haverá um Justo que domine sobre os homens, que domine no temor de Deus”, e que esta promessa será bem ordenada e guardada. Aguardamos o dia quando “aparecerá no Céu o sinal do Filho do Homem … vindo sobre as nuvens do Céu, com poder e grande glória” (Mt 24:30) para estabelecer Seu reino milenar.

© W. J. Watterson